VOCÊ É UM MÁRTIR OU UM MONGE?
Dois nomes que representam duas épocas da história da igreja, mártir e monge.
Nesta minha temporada aqui na Harding School Theology, tenho ouvido, lido e discutido várias questões referentes a história da Igreja, sobretudo, acerca do seu clero.
Automaticamente meus pensamentos me levaram a uma reflexão sobre a liderança eclesiástica dos nossos dias. Muitas perguntas sugiram, no entanto, posso pensar num tema – “exaltação a homens” – e com isso formular duas perguntas que se correspondem:
1. Por que os homens continuam sendo honrados, exaltados, venerados, idolatrados, endeusados em nossa sociedade diante de tantas informações nos nossos dias?
2. Qual a razão de um ser humano como qualquer um de nós ser adorado como se fosse um deus?
Confesso que não tenho uma resposta que alcance completamente tais questões. Entretanto, apesar dessas “mal traçadas linhas” estarem longe de ser um trabalho filosófico, gosto da ideia do filósofo Sergio Pereira, da Universidade Federal de Goiás, quando diz que a filosofia é muito mais competente quando suspeita, duvida e problematiza. Essa, talvez seja a minha intenção neste momento.
Álvaro Pestana, Fundador da Escola de Teologia em Casa, professor e amigo de trabalho no Seminário Teológico EBNESR, tem um curso incrível sobre a História da Igreja. Transcrevo aqui suas palavras:
“É uma disciplina indispensável para entender o pensamento cristão e viver, nos dias de hoje, com plena consciência do verdadeiro Caminho de Jesus”.
Concordo com o Álvaro, pois vejo que quando usamos as lentes do passado, fica muito mais fácil enxergar onde estamos, diante de nossa própria herança eclesiástica. Podemos aprender, se converter, se arrepender, mudar ou firmar ainda mais nossa certeza de que estamos no “caminho – At 9.2”.
A história Eclesiástica traz dois momentos que foram muito importantes para a Igreja no seu tempo.
O Martírio e o Monastério. A perseguição à Igreja trouxe vários problemas para a irmandade. Desde os relatos bíblicos, vemos que vários homens sofreram múltiplas provações.
O livro de Atos está repleto destes fatos. Estevão, Pedro, João, Tiago, Paulo entre outros. A caçada aos cristãos se intensificaram ainda mais, quando as autoridades romanas começaram a participar dessas atrocidades. Entre os mais famosos podemos citar o egocêntrico Nero, bem como Domiciano. Os anos passam e por meio de razões ideológicas Muitos cristãos foram martirizados. Policarpo, Inácio, Flávio Justino, mais conhecido como Justino Mártir, Perpétua, Felicidade e tantos outros.
Eles diziam, ao enfrentar o martírio, que era como puder imitar o sofrimento de Cristo na cruz, pelo menos por um pouco. Porém, nem todos tinham a coragem de enfrentar o martírio, entretanto, aqueles que sofriam eram reconhecidos pelos seus feitos, não por vontade própria, pois seus desejos eram claros, retribuir por um pouco o sofrimento de Cristo por eles.
Então, qual a razão de serem reconhecidos, já que não tinham esse desejo?
Seria porque eles representavam a coragem dos que não tinham coragem?
Será que aqueles que não tinham coragem, não a tinha mesmo?
Justino Mártir, na sua primeira apologia ao imperador Antonius Pius, usou a lógica para mostrar que não se deveria punir alguém apenas pelo que falava, mas sim pelo que praticava:
“se um dos acusados negar dizendo que não é cristão, você o solta alegando não ter prova contra ele… você deveria, antes disso investigar a vida do confessor, certamente assim, ele iria lhe mostrar, através de suas ações, que tipo de pessoa ela é”.
Justino mostrou com isso que aqueles que se deixavam ser alcançados pela graça de Cristo tinham suas vidas transformadas e suas atitudes revelariam quem elas seriam. Se nossa maneira de viver mostra quem somos, então, por que ainda assim, nos escondemos atrás de outros homens?
O quarto século d.C. é o divisor de águas para o cristianismo, pois, com a conversão do Imperador Constantino a perseguição e o martírios aos cristãos cessariam.
A Igreja passava a ser reconhecida como uma nova sociedade, digna de todo respeito. A conversão do Imperador também contribuiu para o aumento do monasticismo. Esse movimento ajudava o verdadeiro convertido a permanecer fiel, não se deixando levar pela corrupção, que veio com a respeitabilidade social da Igreja perante o império. Porém, algo interessante começa a acontecer, pois uma vez que a igreja não era mais perseguida, o monasticismo passou a ser visto como uma nova forma de martírio.
Quem vivia uma vida reclusa estava sacrificando a sua vida em louvor ao Senhor buscando se assemelhar a Cristo por meio da abstenção dos desejos da carne. Alguns monges iam viver em desertos longe de tudo e de todos.
O mais famoso deles foi o Simeão o Estilita, que viveu em cima de uma coluna de pedra e muito raramente descia. Com o passar dos anos e com a construção dos monastérios, a vida solitária dos monges foi dando lugar à vida comunitária.
Muitas coisas aconteceram em torno de tudo isso, no entanto, com o surgimento das Regras Beneditinas a vida monástica se estruturou em torno de adoração comunitária. Entretanto, essa aproximação dos monges com a comunidade marcou uma diferença entre eles.
A comunidade começou a ver os monges como seres superiores. O ideal monástico, o qual teve um início tão puro e sincero tal qual os mártires, levou à profissionalização da adoração comunitária.
As regras impostas aos monges eram incapazes de ser seguidas pela comunidade agraria da época.
Essa pressão religiosa do período medieval, imprimiu na mente da sociedade religiosa da época, três “ordens” que eram observadas sem pestanejar:
– só os religiosos oram;
– apenas os nobres/cavaleiros lutam, e;
– tão somente os camponeses trabalham.
A adoração e a oração, feita pelos monges e o clero, se tornaram uma responsabilidade profissional, feito para atender a “incapacidade” espiritual do povo.
Nos nossos dias quem pode subir ao altar?
Será que nossas raízes eclesiásticas não continuam ainda ofuscando a atuação do Espirito santo de Deus na vida da comunidade religiosa?
Quando alguém pergunta a outra pessoa: você é o quê na Igreja? Não estaria fazendo a mesma pergunta dos tempos medievais?
Seria você “mártir ou um monge”?
Isso é terrível! No entanto, a resposta parece pior:
Não! Não sou nada aqui, sou apenas um membro. A história parece que está se repetindo, as igrejas continuam com a mesma opressão imprimindo nas mentes dos “camponeses” atuais a impossibilidade de servir como o Senhor realmente espera. Por causa disto, muitos se martirizam se isolando neste mundo mal.
Minha oração é para que eu veja aqueles que só o Senhor viu. Que eu veja o ladrão de impostos, o qual o Senhor disse que saiu justificado da sua confissão, que eu veja a prostituta, a qual o Senhor elogiou suas lágrimas, que eu veja a sinceridade da mulher samaritana que quando perguntada se tinha marido, disse não ter.
Que eu não faça ouvido de mercador, quando o cego Bartimeu gritar, nem tão pouco quando apenas duas moedinhas, de uma viúva pobre, caírem no gazofilácio, que eu possa ver quem estava perdido e foi achado e quem estava morto e reviveu.
Sim que eu os veja e possa dizer com toda alegria a cada um deles:
“Tenham, irmãos, coragem para entrar no Santo dos Santos, pelo sangue de Jesus, aproximemo-nos, com sincero coração, em plena certeza de fé, tendo o coração purificado de má consciência e lavado o corpo com água pura. Consideremo-nos também uns aos outros, para nos estimularmos ao amor e às boas obras“. Hebreus 10.19, 22, 24.